LOADING

Digite para buscar

Projetos Especiais

Coronavírus nos presídios: uma bomba-relógio

Share
Veja como a pandemia da Covid-19 está sendo tratada dentro dos reformatórios no Rio Grande do Sul e no mundo

Em 25 de março de 2020, as secretarias estaduais de saúde anunciavam um total de 2.555 casos confirmados do novo coronavírus no Brasil. Exatamente um mês depois, em 25 de abril, o país já contabilizava 59.509 casos – um crescimento maior que 2000%. A Organização Mundial da Saúde apontou o isolamento social como a melhor maneira de evitar a transmissão da doença. No entanto, os presídios do Rio Grande do Sul estão com 43% de sua capacidade excedida.

Foto: Presídio Central de Porto Alegre – Vinicios Sparremberger/Divulgação

Conforme o relatório da Organização Mundial da Saúde, o número confirmado de casos da Covid-19 ao redor do mundo já passou de 7 milhões e meio, com mais de 420 mil mortos até a primeira quinzena de julho. A América Latina, o novo epicentro da pandemia, tem sofrido um aumento exponencial dos casos. No Brasil, o número de pessoas infectadas com o novo coronavírus passou de 2 milhões e 400 mil, e a quantidade de óbitos também assusta: segundo os dados divulgados pelo Ministério da Saúde, mais de 87 mil e 500 pessoas já morreram em decorrência da doença.

 A OMS determinou o isolamento social como a medida mais efetiva para a contenção do vírus. Isso significa que as pessoas devem ficar em casa, evitando qualquer tipo de contato entre si. A quarentena, em longo prazo, serve para evitar a contaminação em massa e impedir a sobrecarga do sistema de saúde, como mostra o gráfico elaborado pelo cientista Drew Harris e adaptado pelo biólogo Carl Bergstrom, na Universidade de Washington.

Curva de disseminação da Covid-19. Fonte: Universidade de Washington, EUA.

Shows, jogos de futebol, reuniões e muitos outros eventos que envolviam aglomerações foram cancelados, adiados ou adaptados para o mundo virtual a fim de impedir a disseminação da Covid-19. No entanto, um tipo específico de espaço não conseguiu cumprir as regras da entidade: as unidades penitenciárias do Rio Grande do Sul. Segundo dados da Superintendência dos Serviços Penitenciários, a Susepe, em 2018 o Estado tinha aproximadamente 40 mil presos. Um número que excede 43% da capacidade total do sistema. 

QUEM TEM MEDO DO CORONAVÍRUS?

Segundo a plataforma de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro do Departamento Penitenciário Nacional, o Infopen, o Brasil tem capacidade para comportar aproximadamente 42.300 presos. No entanto, a mesma pesquisa aponta que o sistema carcerário brasileiro possui atualmente pouco mais de 748 mil encarcerados, o que significa um excedente de 70% em relação ao espaço disponível e o número de presos para serem abrigados. O Rio Grande do Sul também sofre com a superlotação, conforme indica o infográfico abaixo.

Dados do sistema prisional no Rio Grande do Sul. Fonte: Infopen

Uma parada de ônibus, a fila da padaria, o corredor do hospital. Qualquer lugar, mesmo aquele aparentemente seguro, pode se transformar em um  vetor da doença. Atualmente, contrair a Covid-19 é um dos maiores medos – senão o maior – de pessoas dos mais variados espectros. Entre as mulheres é ainda mais evidente. Um estudo conduzido pela área de Inteligência de Mercado do Grupo Abril em parceria com o instituto de pesquisas digitais MindMiners concluiu que dos 4.693 entrevistados, mais da metade temem pegar a doença. No recorte feminino, o índice sobe para 63%. A pesquisa também reflete um cenário preocupante: surtos de depressão e ansiedade. Em um mundo que enfrenta a pandemia, o medo afeta a saúde física e mental das pessoas. É comum que homens e mulheres, de todas as idades, relatem estresse, tristeza e muita incerteza de todos os efeitos que a doença pode causar no cotidiano, na economia e na sociedade.  Mas o medo e a insegurança são ainda maiores para aqueles que não podem ficar em isolamento. 

POR ONDE ANDA A SOLUÇÃO?

No Brasil, o atendimento em saúde às pessoas reclusas em unidades prisionais é lei desde 1984. A Lei de Execução Penal de 1984 assegura atendimento médico, farmacêutico e odontológico às pessoas presas. Além disso, o Sistema Único de Saúde regulamentando pelas Leis nº 8080/90 e nº 8142/90, prevê, em suas diretrizes, a universalidade, a igualdade e a equidade do acesso à saúde como um direito de cidadania e um dever das três esferas de governo.  No entanto, a dissonância entre a teoria e prática é abismal. Um levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público, realizado em março deste ano com 1.439 unidades prisionais, mostra que 31% das penitenciárias brasileiras não oferecem serviço de saúde. 

Rodrigo Sabiah, 36, ex-presidiário e agora palestrante e educador social, não acredita que a doença dentro das prisões pode ser controlada por muito tempo. Ele ainda lembra do surto de H1N1 em 2009, período em que estava preso em regime fechado no Presídio Central, onde não havia sequer banheiros higienizados para lavar as mãos. Rodrigo conta que, embora os presídios não façam contato direto com o restante da sociedade, as condições de vida dentro dos muros são insalubres. ‘’No Presídio Central tu caminha no meio do esgoto. Vive no meio dos ratos e das baratas. Não tem como morar em um lugar assim’’, afirma. 

Engana-se quem pensa que os apenados têm a vantagem de não poder terem contato com o mundo exterior em tempos de coronavírus. Dino D’Avila, advogado criminalista, contribui dizendo que a incessante busca por melhorias dentro das cadeias é voraz ao ponto de os detentos usarem secreção como moeda de troca. Os criminosos acometidos por doenças como tuberculose, por exemplo, recebiam dinheiro, favores ou mercadorias ao transmitirem a enfermidade para quem não tem, para que esses pudessem sair das celas comuns e levados à enfermaria, hospital e até mesmo tentarem fuga ou troca no modelo de regime. 

No dia 13 de julho, o Rio Grande do Sul havia contabilizado o primeiro óbito dentro do sistema prisional em função do coronavírus. Trata-se de um homem de 55 anos que estava detido em Charqueadas e foi internado no Hospital de Clínicas no dia 29 de junho. Conforme o major Fabiano Dorneles, diretor do presídio, na Penitenciária Estadual de Itajaí, onde o homem cumpria a pena, mais de 230 presos obtiveram resultado positivo para a Covid-19. Outros Estados também registraram mortes em decorrência da doença: de acordo com os dados do Departamento Penitenciário Nacional, só em São Paulo foram registrados 24 óbitos dentro do sistema penal. 

Para evitar possíveis mortes e suavizar o impacto do novo coronavírus dentro das cadeias, no início do ano o Governo do Rio Grande do Sul divulgou uma série de medidas propostas para a contenção do problema. No plano constam celas únicas para triagem, onde pacientes suspeitos permaneceriam por cerca de 15 dias – tempo de isolamento recomendado para a OMS. Caso não apresente sintomas da Covid-19, o preso seria direcionado para as celas convencionais. Contudo, se os sintomas forem percebidos, o apenado pode ser direcionado ao hospital. O plano também aponta a distribuição de EPIs para os servidores e a criação de tendas para triagem.

Segundo Alexandre Pacheco, juiz corregedor do Tribunal de Justiça do Estado, o plano de contenção divulgado foi validado por decreto estadual pensando nos piores cenários, e que o Rio Grande do Sul vai ter capacidade para controlar o problema. Durante a entrevista, ele também disse que o projeto já está sendo implementado e que, contudo, apesar da Susepe ter convênio com o hospital Vila Nova, que disponibiliza leitos exclusivos para os presidiários, o governo gaúcho ainda não tem planos para uma hipotética contaminação em massa dentro das unidades prisionais.

Saulo Basso, agente penitenciário e presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Rio Grande do Sul, acredita que a implementação é embrionária por conta de toda a falta de manutenção dos presídios. Ele afirma que é impossível colocar em prática um plano que exija melhores estruturas físicas nos reformatórios quando há uma superlotação de mais de 40%. Além disso, ele conta que, embora os monitores, agentes administrativos, agentes penitenciários e os técnicos superiores penitenciários recebam as devidas instruções de higiene, não tem como impedir a transição dos servidores de dentro para fora das cadeias.       

O QUE OS OUTROS PAÍSES ESTÃO FAZENDO? 

Segundo a Agência France-Press, agência internacional de notícias, desde o começo de abril, a Europa tenta evitar uma explosão que pode ser causada pelo novo coronavírus em prisões superlotadas e adotou medidas urgentes para o controle do problema.

Dunja Mijatovic, comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, instituição da União Europeia que reúne 47 países, pediu para que as autoridades se recorram a “qualquer alternativa disponível” no lugar da detenção, no intuito de proteger os direitos e a saúde dos detidos. Em função disso, vários países optaram por aliviar seus presídios para conter o avanço da COVID-19, já que não há possibilidade de distanciamento entre os presidiários para evitar a disseminação da doença.

  • A França, condenada em janeiro pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos  por superlotação em suas prisões, reduziu o número de detidos em mais de 6 mil e adiou a execução de sentenças para evitar novas prisões;
  • Na Rússia, onde existem cerca de 500 mil detidos, ONGs alertaram que a COVID-19 poderia ter “consequências devastadoras”, principalmente nos centros de detenção provisória, e pediram às autoridades que reduzissem a população carcerária;
  • O governo britânico anunciou a libertação de até 4.000 presos, com até dois meses de pena restante; 
  • O parlamento de Portugal também aprovou uma medida de liberação de presidiários, reduzindo a população carcerária em cerca de 15%. O texto estabelece perdão aos detentos condenados com penas de até dois anos e que tenham dois anos ou menos de sentença para cumprir. 
  • A Colômbia optou pelo desencarceramento de cerca de 4 mil presos que já tinham pelo menos 40% da pena cumprida, e, também, dos maiores de 60 anos ou com doenças incapacitantes;
  • O Senado mexicano aprovou a mesma decisão, e sancionou uma lei na qual essa medida é válida para os apenados que não cometeram atos graves e pela primeira vez, ou crimes sem uso de armas de fogo;

No Brasil, segundo estimativas oficiais do Conselho Nacional de Justiça divulgadas no dia 12 de junho, cerca de 32 mil e 500 presos deixaram as celas e passaram para prisão domiciliar, atendendo às recomendações do órgão de reavaliar prisões preventivas, domiciliar, ou antecipar a saída de determinados perfis.

O mesmo levantamento do CNJ apontou que, até a primeira quinzena de junho, foram 2.212 casos confirmados do novo coronavírus dentro do sistema prisional brasileiro – um salto de 800% em relação ao mês de maio, que no dia 1º registrava 252 infecções pela doença.

Tags:

Você também vai gostar