A INFLUÊNCIA DO TIKTOK NA INDÚSTRIA MUSICAL

Por FERNANDA GRAPIGLIA, RAFAELA HARTMANN E WEVERTON KAMPHORST

Não é segredo que a indústria da música vem sendo impactada pela internet no decorrer das últimas décadas. Aplicativos de streaming como Spotify, Apple Music e Deezer se tornaram grandes aliados dos artistas, abrindo caminhos para a popularização e a monetização dos hits. Já o Tiktok, a rede de interação mais jovem e também mais popular do momento, que se consagrou com 1,5 bilhão de usuários ao redor do mundo, tem influenciado as massas e determinado, ainda que indiretamente, o que será ouvido a seguir.

O aplicativo ganhou a afeição dos usuários por se tratar de uma plataforma livre para explorar a criatividade. Publicando vídeos de desafios de dança, coreografias, POV´s, dublagens, covers, challenges ou fancams, possui ferramentas que permitem a edição de vídeos na própria rede e algoritmos que distribuem o conteúdo baseado nas interações e no que o internauta gosta de consumir. Assim, o TikTok aumenta a visibilidade do público para as produções de criadores de conteúdo anônimos e artistas já consagrados.

Somada ao advento da pandemia, a dinâmica foi responsável por engajar a rede de tal forma que sua popularização e crescimento foram inevitáveis. Consequentemente, diversos produtores musicais, agentes e gravadoras deslocaram sua atenção para a nova mídia crescente a fim de descobrir novos talentos. Os programas de TV e as rádios não ficaram para trás, as trilhas sonoras de séries e filmes passaram a conter músicas lançadas no próprio Tiktok, além de estarem no topo da lista de programações radiofônicas mundo afora, inclusive no Brasil.

O que é o Tiktok? Como funciona? 

 Em 2014, na China, surgiu o aplicativo Musical.ly, o qual seria comprado por outra empresa e mudaria de nome para TikTok. Desde então, vem se popularizando, e em 2019 passou o número de downloads do Facebook. 

O app é uma rede social para o compartilhamento de vídeos, todos de até um minuto. Assim como nas outras redes, você pode seguir diversos usuários e também compartilhar os vídeos em outras redes sociais. A popularização do Tiktok no Brasil se deu após o início da pandemia do novo Coronavírus, e só no mês de maio de 2020, teve 78 milhões de downloads no mundo todo, e estima-se que já tenha mais de 7 milhões de usuários no Brasil. Desde o segundo semestre 2019, o aplicativo contava com a marca de 199,4 milhões de downloads. Já no ano de 2020, especula-se que por conta do aumento do tempo de tela dos usuários de smartphones, o número de downloads do app cresceu para 315 milhões, segundo dados disponibilizados pela revista Forbes no ano passado. 

Com 40% de seus usuários sendo millennials (entre 16 e 24 anos), a rede apela para o uso do algoritmo para conquistar seu público. A página principal é feita completamente de vídeos sugeridos ao usuário dependendo dos seus gostos pessoais.

Mas como as músicas viralizam no Tiktok? Pesquisa realizada pela Winnin, uma plataforma brasileira de marketing tecnológico, responde essa pergunta. A empresa analisou cada forma que a nova rede toma perante seus usuários e concluiu que quando as trends, isto é, os vídeos que começam a ganhar visibilidade por meio de coreografias, dublagens ou desafios, viralizam entre os internautas, estes buscam as músicas e as reproduzem em seus próprios vídeos, criando novas trends com aquele mesmo som. A partir daí, as pessoas procuram pelo single em streams de música, popularizando-o e o tornando um sucesso não só nas demais redes sociais, como também nas paradas de sucesso das rádios e programas musicais. 

O produtor musical Pedro Zimmer, que é formado pela Full Sail University, da Flórida, e é produtor e diretor de vendas da produtora de podcasts Agência de Podcast sediada em São Paulo, comenta que não existe um segredo específico que estoura uma música, mas sim vários elementos que constroem um hit. “As músicas que estouram seguem uma ‘fórmula’. Na maioria das vezes trazem elementos familiares, essa estrutura que a gente tá acostumado a ouvir. Mas, por outro lado, elas precisam trazer elementos legais, elementos novos, elementos surpresa que façam a gente se interessar por aquela música. Cada música tem um elemento novo que não foi escutado ainda, e é por isso que a gente gosta delas” apontou. 

Zimmer acredita que a pandemia tenha influenciado na forma de fazer música. “Os músicos, os artistas perderam a principal fonte de renda deles, que é show, então financeiramente falando, foi um desafio pra muita gente que não tava preparada pra esse tipo de coisa. É um lado meio complicado”. Outro desafio citado pelo produtor foi a parte criativa da música. Ele relembrou momentos pré-pandemia, quando as músicas podiam ser desenvolvidas no estúdio, lado a lado: “Quando a gente tá fazendo isso em uma tela na nossa frente, em uma call do Zoom, não é o mesmo sentimento. Então esse é um desafio que, pra parte criativa, a gente teve que se esforçar em dobro pra chegar nas mesmas ideias que a gente tinha antes”. 

Depoimento do artista

 

Lonely God, cantor e produtor musical estadunidense de 23 anos, o responsável pelo hit Marlboro Nights, que já conta com 80 milhões de streams no Spotify e mais de 600 mil reproduções no Tiktok, gravou um depoimento especial a partir das perguntas que os repórteres enviaram via Twitter, relatando sua experiência na nova plataforma. 

Os bastidores da entrevista se deram de forma inusitada. Ao postarmos avisos na rede social Twitter, questionando se algum usuário do app estaria disposto a responder algumas perguntas, recebemos a marcação de um internauta sugerindo Lonely God, que aceitou na hora. Logo que recebemos um vídeo seu respondendo às perguntas propostas pela equipe, notamos algo curioso, o título Marlboro Nights chamou a atenção. Assim que pesquisamos seu nome nas redes sociais, descobrimos que o usuário era, na verdade, o próprio artista da canção. 

Perguntamos qual sua opinião a respeito do aplicativo ditar o que será ouvido a seguir pelo público. Segundo ele, “Totalmente. Muito da cultura é movido através do Tiktok. Esses vídeos curtos e em looping são massivos para a música, o mesmo aconteceu com o Vine. Eu conheço alguns artistas que se tornaram gigantes apenas por terem seis ou sete clipes de suas músicas populares no Vine. Então a cultura online dita o que é popular agora, 100%”. 

Além disso, Lonely God afirmou que o Tiktok surte enorme influência e que com certeza utilizaria a rede para promover novos singles. “O que é súper importante, é ter a sua música no aplicativo. Então, se você pesquisar por uma música ela vai aparecer e você pode usá-la como um áudio. Assim, se você colocar uma música que gosta, pode aproveitá-la direto no seu Tiktok, e isso é ótimo pra fazer a música estourar no aplicativo”. 

Também entrevistamos o músico Cícero Guedes da dupla Sandro e Cícero, que por meio de um amigo em comum, via WhatsApp, nos contou a respeito de sua carreira e o impacto que o Tiktok teve sobre ela.   

A dupla sertaneja já tem uma carreira estabelecida no mercado há 12 anos. Principalmente entre os anos de 2019 e 2020, o sucesso foi crescente e favorável, contudo, o cenário pandêmico fez com que os artistas perdessem todo o investimento feito para aquele período, precisando adiar projetos e cancelar shows. 

“Tudo aconteceu em um momento em que a gente tava desesperado, a gente não podia fazer show, não podia trabalhar de forma plena. Aí o Tiktok veio para nos tirar do fundo do poço e nos trazer para a luz. A música hoje passa de um milhão de vídeos, e tem mais de meio bilhão de execuções com o trecho (da música Me Adota)”, relatou Cícero ao ser questionado sobre o impacto da nova mídia em sua trajetória. 

Pedro também vê um lado positivo para os produtores musicais. Com o adiamento dos shows, mais artistas procuraram compor e produzir músicas nesse momento de pandemia: “Certamente a pandemia teve seus desafios, mas contribuiu para o desenvolvimento ainda mais rápido da tecnologia da música, que já é uma área muito bem desenvolvida”, acrescentou. 

Além do sucesso de Me Adota, os hits Tudo no Sigilo, da MC Bianca; Eu nunca, eu já, da cantora Angel; e Camisa do Flamengo, do MC Meno; conquistaram seu espaço nas plataformas de streaming no país, e são exemplos de artistas brasileiros que foram descobertos por meio da exposição promovida pela nova mídia social. 

Levantamento de dados

Uma pesquisa sobre a influência do Tiktok na indústria da música durante a pandemia foi realizada via Google Forms. A pesquisa contou com mais de 100 respostas em todas as suas 9 perguntas, dentre elas uma de múltipla escolha sobre algumas músicas virais.

72,7% dos entrevistados são usuários do Tiktok, enquanto 75,2% não utilizavam o aplicativo antes da pandemia.

Entre os dados obtidos do questionário, foram apontados que 85,1% foram influenciados pela rede social de alguma maneira; 24% dos usuários variaram seu gosto musical desde que começaram a utilizar o aplicativo; e 86,1% descobriram novas músicas dentro do Tiktok; 

Quando questionado se o internauta havia notado que as músicas do TikTok estão nos charts e nas paradas de maior sucesso, 94% dos internautas responderam que haviam percebido essa influência nas paradas musicais. 

Abaixo, disponibilizamos em um gráfico os dados obtidos a partir de quantas músicas oriundas do Tiktok fazem parte da playlist dos usuários, e quais gêneros musicais são mais consumidos dentro da rede. 

De acordo com os internautas, as três músicas mais ouvidas dentro e fora da plataforma foram:  

1º Doja Cat – Say so, com 58 marcações

2º The Weeknd – Blinding lights, com 57 marcações

3º CardiB – WAP, com 46 marcações

O artista Lonely God, com o hit Marlboro Nigths, teve 32 marcações, já a dupla Sandro e Cícero, também citados anteriormente, tiveram 16 marcações. 

Vale ressaltar que a música Say So, da cantora norte-americana Doja Cat, foi originalmente lançada no ano de 2019 e apenas ganhou notável visibilidade por meio do Tiktok. Logo em seguida, a letra se tornou um sucesso, atingindo o primeiro lugar no ranking de músicas mais tocadas nas rádios pop dos Estados Unidos em 2020. Doja levou o prêmio de “artista revelação” no MTV Awards e foi indicada na mesma categoria ao Grammy Awards 2021. 

O futuro do Tiktok na música

Zimmer indica o Tiktok como uma ferramenta muito interessante para a indústria da música, porque foi o responsável por estourar músicas que estavam esquecidas ou músicas que foram lançadas e ninguém nunca ouviu, e logo depois estouraram na nova rede. 

  Foto: Manchete do Site Popline

Como exemplo, a pesquisa realizada através do Google Forms citada anteriormente, demonstrou que a música Gimme More, de Britney Spears, lançada em 2007, voltou ao topo nas paradas de sucesso, atingindo 38,5% das marcações; assim como o hit Promiscuous, de Nelly Furtado, que era popular em 2006, atingindo 35,4% das marcações de canções ouvidas por usuários no Tiktok. 

Além disso, diversos artistas também produziram músicas especificamente para serem usadas em danças do aplicativo, como o grupo Kondzilla, que lançou o artista Mc Meno com o hit Camisa do Flamengo. 

“O Tiktok contribuiu muito pra vários artistas, e é uma forma diferente de consumir música. Além de ser uma fonte de renda para os artistas, para as pessoas que criam utilizando música, é uma ferramenta muito legal”, ressaltou o produtor da Agência de Podcast. 

Os usuários

O Tiktok não só é uma plataforma popular pelos conteúdos presentes dentro do app, como também pela repercussão nas demais redes sociais, como o Twitter, por exemplo. Abaixo, selecionamos alguns comentários de usuários da plataforma que debateram o tema “influência do Tiktok na indústria musical”.

Por meio das redes sociais, pedimos aos internautas do Twitter para colaborarem com as pesquisas a respeito do tema presente na reportagem. Assim, a estudante norte-americana Claire Larson, de 22 anos, contou um pouco da sua experiência como usuária do Tiktok, enviando um depoimento nas mensagens do próprio aplicativo. “Eu comecei a usar o Tiktok antes da pandemia, mas não obsessivamente. Eu baixei porque pessoas me mandavam Tiktoks e eu precisava do app para assisti-los, mas só depois da pandemia que eu comecei a fazer vídeos e a usar constantemente. Então eu posso dizer que a pandemia me influenciou a usar o app, não apenas pelo tempo extra, mas também porque usuários faziam vídeos com relação ao coronavírus e a pandemia e era uma maneira fácil das pessoas se conectarem”. 

Claire também afirmou que o algoritmo do aplicativo permitiu que ela encontrasse músicas novas baseadas em seu gosto pessoal. Também apontou que a nova rede é muito proeminente na indústria musical, visto que grande parte das músicas populares, ou que estão tocando em todos os lugares, são “músicas do Tiktok”, isto é, ficaram famosas no app primeiro. 

A estudante encara o aplicativo como uma excelente forma de divulgação para novos hits. “Se eu fosse lançar uma música eu iria definitivamente usar o Tiktok como a principal plataforma de divulgação, porque é fácil, os vídeos viralizaram com pouco esforço. Eu sinto que o YouTube demanda mais detalhes em questão de fazer o upload e a filmagem e o timing.”

Por fim, perguntamos ao Pedro se como produtor musical ele vê o Tiktok como uma plataforma de divulgação mais eficiente que os meios tradicionais atuais. Ele acredita que quando se fala de marketing musical, sempre deve se pensar fora da caixa, trazendo inovação. Dessa forma, ainda que o artista precise estar inserido em um plano de marketing maior – que vise trazer não só ouvintes, como principalmente novos fãs – o Tiktok pode ser utilizado como uma ferramenta auxiliar, que faça com que a música de determinado cantor seja ouvida por mais pessoas, ganhando mais visibilidade. Por outro lado, Zimmer afirmou que o artista pode investir em produzir conteúdo para a plataforma – além das músicas reproduzidas: “é a mídia que as pessoas mais estão consumindo hoje, é a plataforma de rede social que mais cresce em todas as lojas de aplicativos. Então se o artista vai ficar famoso no Tiktok, aí vale muito a pena, vai estar agregando valor pra ele, como pessoa, não só pro áudio, pra música dele que tá sendo utilizada”. 

A forma que se consome música mudou muito nos últimos tempos. A música antes tratada como uma experiência em si, hoje serve como plano de fundo para diversas atividades. Todavia, aplicativos como o Tiktok são os grandes responsáveis por reformular todo o processo novamente. “A gente tá parando pra escutar, pra descobrir, comentar e falar sobre música nova, então estamos mudando novamente isso. É uma maneira de fazer as pessoas se concentrarem na música novamente, e escutarem a música pela música de novo”, observou o produtor. 

Ainda que popularizado durante, ou em função da pandemia, o aplicativo mais querido entre os jovens vem deixando sua marca na indústria de forma irreversível. O aplicativo que era destinado a ser uma febre passageira, agora é uma promessa que veio para ficar e revolucionar a forma como ouvimos música e descobrimos novos artistas. 

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