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Heróis da pandemia

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Por: Dayane Tavares, Fernando Rodrigues e Gustavo Segata.

O ano de 2020 entrará para a história. Um dos maiores marcos das últimas décadas, a pandemia afetou absolutamente tudo: desde a sua rotina até a economia mundial. Mas as verdadeiras marcas estão nos números assustadores de vidas perdidas nessa batalha: no mundo inteiro, já foram mais de três milhões e meio de pessoas. Em nosso estado, até o último dia de maio, os números já passam dos vinte e oito mil óbitos.

E essa história que está se escrevendo poderia ser ainda pior, não fosse a existência de super-heróis nela. Afinal, como descrever pessoas que deram tudo de si para salvar vidas? Esse é o caso dos profissionais da saúde, que em meio a um colapso no sistema, cansaço ao extremo e mortes, continuaram a realizar seus trabalhos em prol da sociedade.

Esse espaço é justamente dedicado a eles. A seguir, você conhecerá as histórias de diferentes técnicos de enfermagem, que são responsáveis diretamente pela supervisão constante e cuidados gerais dos pacientes, assim como o registro de seus sinais e sintomas. Os relatos são de profissionais de várias partes do estado: Uruguaiana, Caxias do Sul e Gramado. Diferentes regiões, diferentes realidades, cada um contando sobre suas vivências e dedicação em um momento crítico.

Gramado

Lidiane da Rosa Klippel tem 32 anos. Vivendo em Canela desde pequena, se formou como técnica de enfermagem em 2015 e há três anos trabalha na cidade vizinha, Gramado. Foi ali, no Hospital Arcanjo São Miguel, o único da cidade, que Lidiane atuou na linha de frente do combate à Covid-19.

Insegurança. Foi assim que ela definiu o sentimento no início, quando era tudo desconhecido, quando não se sabia ainda quais as proporções que o Coronavírus iria tomar. Na medida em que a situação foi evoluindo, o hospital que inicialmente possuía 10 leitos de UTI, teve que expandir rapidamente a capacidade para atender a população e ocasionalmente turistas, totalizando em 16 novos leitos. Logo, toda sua rotina de trabalho foi alterada, já que a equipe hospitalar continuou do mesmo tamanho para cuidar de um número muito maior de pessoas. E o esforço foi enorme: desde plantões de 12 horas, até deixar de fazer os intervalos e comer pela questão da desparamentação, toda a equipe se cobrava ao máximo para não deixar nenhum paciente desassistido.

Lidiane mora sozinha e avalia esse fator como positivo por não botar sua família em risco, apesar das dificuldades que enfrentou. “Nesse período de pandemia foi bom até (morar sozinha), não por eu estar sozinha, mas por não levar esse risco para a minha família, na qual eu tenho 3 pessoas de risco. A mais próxima é a minha mãe, que é hipertensa e diabética. Meu avô, que é idoso, tem 71 anos e tem marcapasso, enfim, vários problemas de saúde devido à idade. E tem meu irmão de 15 anos que tem asma, tem problemas respiratórios.” E completa: “O que mais impactou para mim foi realmente a questão de saber que eu não poderia ter mais contato diariamente, com meus familiares né, como sempre tive o costume de visitar minha mãe”.

Em julho, Lidiane acabou contraindo o vírus. Já isolada da família, ficou sem o mínimo de interação pessoal. Foram quinze dias completamente sozinha, com cansaço e tosse, dependendo das compras que sua mãe deixava no portão de casa. O momento de solidão foi definido como “horroroso”, porém, o apoio de sua família e colegas de trabalho por telefone/redes sociais fez a diferença e Lidiane conseguiu se recuperar de forma saudável. 

E assim, fisicamente distante da família, com uma rotina cada vez mais exaustiva de trabalho em um ambiente tão negativo, Lidiane conta sobre seus momentos mais difíceis, ainda mostrando um carinho pelos seus pacientes: 

“Um limite assim, até no momento de trabalho, aquela coisa de tu parar e falar ‘Para mim chega, para mim deu, não quero mais, eu não volto mais para esse lugar. Eu não consigo mais ficar aqui dentro’. Realmente, coisas que tu tenta não deixar transparecer né, porque tu não quer mostrar isso pro teu paciente. Então, lá no fundinho, lá no canto do banheiro, acontecia de tu parar e pensar ‘Eu não quero mais isso para mim’. E não só comigo, mas como vi também com colegas isso acontecendo, de realmente chegar no teu limite. Mas a gente é forte e continua.”

(Foto de Lidiane com a paramentação  – acervo pessoal)

Hoje, Lidiane já está vacinada com as duas doses e, recentemente, passou a dispor de ajuda psicológica oferecida pelo próprio hospital, para toda a equipe. Está mais tranquila pelo fato de o avô estar vacinado também, mas ainda evita ao máximo qualquer tipo de contato com a família, temendo pela saúde da mãe e do irmão que não foram vacinados.

depoimento – Lidiane, técnica em enfermagem

Uruguaiana

Mariana Silveira, 28 anos, técnica em enfermagem do município de Uruguaiana, atualmente presta serviços no hospital da Santa Casa de Uruguaiana, na ala Covid do quarto andar. Formada no final de 2019, seu primeiro trabalho como técnica foi em 2020, não demorou para que o vírus chegasse na cidade, o que acarretou mudanças significativas em sua vida. Como iniciante nessa área, seus primeiros meses foram tranquilos, até a chegada do primeiro caso em Uruguaiana no final de março, onde tudo mudou.

“Apesar de todos os cuidados necessários, o medo ainda é muito frequente na nossa rotina. O medo de perder familiares, colegas, pacientes, fica cada vez maior diante da situação que vive o município. ’’

Mariana relata que a Santa Casa de Uruguaiana sobrevive de doações e que faltam medicamentos para pacientes com Covid, principalmente relacionados ao processo de intubação. Diante de toda essa situação, a dedicação pelo seu trabalho não deixou Mariana desistir dessa área, pois carrega a vontade de ajudar cada paciente que se encontra em momento difícil causado pela doença. 

‘’Quando se encontramos em momentos difíceis, muitos pensam em desistir, mas o amor pelo trabalho te faz seguir em frente, a vontade de dar teu melhor para as pessoas que tanto precisam dessa profissão dentro do hospital.” 

Durante os meses trabalhando na linha de frente do Covid, não se contaminou, permaneceu em casa, optando por não visitar familiares e amigos. A preocupação maior de Mariana era sua mãe, do grupo de risco, na qual está sempre auxiliando e repassando os cuidados para evitar a contaminação do vírus. Agora mais tranquila, foi vacinada com as duas doses junto com sua mãe, porém mesmo com a vacina, estabelece medidas a fim de não propagar a doença.

Caxias do Sul

Vanessa Portela Matiello é uma eficiente profissional da saúde que atua como técnica de enfermagem na cidade de Caxias do Sul. Atualmente, Vanessa trabalha no atendimento gineco-obstétrico e considera essa área sua favorita.  Ela destaca que a surpresa é um sentimento diário em seu trabalho, pois nunca pode ter certeza dos casos que vão chegar. A pandemia da Covid-19 mudou toda sua rotina ao exigir novos equipamentos, novos procedimentos e um cuidado totalmente diferente do anterior. Um dos desafios foi lidar com um grupo de risco como as gestantes, pois tudo era muito novo. Vanessa acredita que uma das melhores formas de enfretamento ao covid-19 é a empatia. Confira a entrevista na íntegra:

  1. Fale um pouco da sua jornada do início da sua profissão até agora

Vanessa: Eu me formei faz seis anos, no começo trabalhei 3 anos com interação adulto e já faz três anos que estou atuando na área materno infantil. Primeiramente, trabalhei com mães no pós-parto na unidade de internação (UIO), agora estou no Centro Obstétrico (C.O) e ajudo nos trabalhos de parte e cesárias. Sou funcionária de um local de referência em urgência e emergência gineco-obstétrico para 35 municípios. O trabalho é desafiador, temos procedimentos já agendados, mas nunca sabemos o que poderá aparecer. Sou muito feliz e sempre digo que me encontrei na área materno infantil, claro que não temos só a alegria do início da vida, temos muitas perdas também. Precisamos de firmeza para apoiar os que precisam nos momentos difíceis

  1. Você lembra da primeira vez que teve contato ou atendeu um paciente positivado para a COVID-19?

Vanessa: A primeira vez que recebemos uma paciente com suspeita de COVID-19 foi um momento de grande apreensão e angústia. Sempre existe a apreensão do momento mesmo tendo recebido o treinamento sobre como usar os equipamentos de proteção de forma correta. Nossa equipe teve tempo de preparar uma sala para recebê-la, pois era uma cesariana agendada, mas não sabíamos ao certo como proceder. Felizmente ocorreu tudo bem.

  1. Qual foi a maior dificuldade que você enfrentou até agora no combato ao novo coronavírus

Vanessa: A maior dificuldade é o grande número de pessoas que não tem noção no momento que estamos vivendo e o número de vidas que estamos perdendo. Coisas como falta de respeito com as normas mínimas de uso de máscara, a incerteza e a insegurança perante as situações. Além disso, as normas e regulamentos mudam com grande frequência. Porém, a maior dificuldade de todas é o medo de passar para as pessoas que amo, mesmo tendo todo cuidado possível e impossível. Acredito que a empatia é fundamental nessa situação.

  1. O que você espera para o futuro dessa crise sanitária?

Vanessa: Acredito que uma sociedade é o reflexo dos seus líderes. Boa parte da população não demonstra o mínimo de empatia sobre a nossa situação, mesmo perdendo pessoas todos os dias para essa doença. Muitos até usam da chacota para falar dela. Precisamos muito mais que leis e normas mais rígidas para enfrentarmos tudo isso. Nós precisamos de postura ética e um mínimo de amor ao próximo, para que essa doença não seja vista como uma gripezinha.

Monica Do Amaral é um profissional da saúde que atua como técnica de enfermagem na cidade de Caxias do Sul e já atuou na cidade Farroupilha. Monica atuou na UTI no início de sua carreira, mas não sentiu que essa seria sua área ideal.  O setor atual é o de recuperação pós procedimento cirúrgico. Apesar de pouco tempo formada (2018), essa dedicada técnica já viveu um desafio enorme ao estar na linha de frente combatendo a crise sanitária acarretada pela epidemia da Covid-19. Segundo a profissional, as relações humanas de perda e saudade são o que mais chamam atenção e comovem nesses tempos tão difíceis.

Confira a entrevista na íntegra:

  1. Fale um pouco da sua jornada do início da sua profissão até agora

Monica: Sou técnica de enfermagem desde 2018 e comecei atuando na UTI do Hospital São Carlos em Farroupilha, mas não me identifiquei tanto com o setor. Comecei a trabalhar na área de recuperação pós cirurgia. Atualmente, estou trabalhando no Hospital Unimed em Caxias do Sul. Amo muita minha profissão e acredito que nasci com o dom de cuidar.

  1. Você lembra da primeira vez que teve contato ou atendeu um paciente positivado para a COVID-19?

Monica: Meu primeiro contato com um paciente infectado foi em março, naquele mês foi necessário parar vários setores cirúrgicos. O hospital ficou lotado e novos leitos de UTI foram criados. Tive que começar a trabalhar na UTI e lá encontrei vários pacientes infectados. O medo de contrair e infectar meus familiares era constante.

  1. Qual foi a maior dificuldade que você enfrentou até agora no combato ao novo coronavírus

Monica: Meu emocional ficou abalado com a quantidade de óbitos. Presenciei seres humanos se apagando como se fossem uma vela. O contato com os familiares dos pacientes era apenas por vídeo e era emocionante ver essa interação. Uma das partes mais desafiadoras foi a preparação dos corpos dos pacientes que vieram a óbito, pois em muitas vezes imaginei como seria sentir a dor desses familiares.

  1. O que você espera para o futuro dessa crise sanitária?

Monica: Eu espero que esse pesadelo acabe e que ocorra uma vacinação em massa. Meu maior desejo é que isso acabe e que isso fique na história para contarmos aos nossos netos que sobrevivemos. Estamos todos cansados e não podemos desistir, pois os pacientes dependem de nós. Eu fiz um juramento e vou seguir até o fim com muita fé em Deus.