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Deixa ela jogar: As dificuldades enfrentadas pelas mulheres nos jogos online

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por Maria Eduarda Guerra

O mundo dos games sempre foi dominado por homens, mas esse cenário já começou a mudar. Segundo os dados da Pesquisa Games Brasil de 2019, cerca de 53,6% do público ativo dos jogos online são mulheres, o que representa mais da metade dos atuais jogadores mundiais. O que só comprova que as mulheres estão ocupando lugares que antes não eram motivadas pela sociedade para ocupar. Mas afinal, quais são as dificuldades que o público feminino enfrenta nesse cenário? Além do machismo, o assédio também está presente nos ataques que esse público tão dedicado e apaixonado pelos jogos recebe diariamente. É comum ver mulheres comentando que sofrem com comentários ofensivos enquanto estão em uma partida de algum game. Isso é o que motivou diversas streamers a exporem os ataques sofridos e mostrar para a sociedade que a mulher é atacada até mesmo em seu momento de lazer.

Pesquisa Game Brasil 2019 sobre o perfil dos jogadores

Em Junho de 2018, a streamer profissional Annemunition veio ao público para denunciar os ataques machistas e misóginos que sofre durante as partidas dos jogos. Na sua conta profissional, ou seja, o perfil online que ela utiliza para jogar profissionalmente, ela não se identifica como mulher, por isso, as agressões aparecem somente na sua conta pessoal, que leva seu nome verdadeiro. A gamer possui mais de 300 mil seguidores, e foi com uma série de postagens realizadas no seu perfil no twitter que ela mostrou toda a situação que vive diariamente na internet. Annemunution mostrou que as ofensas variam dependendo do seu desempenho durante a partida. Isso é o que acontece com grande parte das mulheres que participam de rodadas em jogos online. 

O movimento de mulheres que começaram a denunciar tais ofensas aumentou depois que a streamer delatou os comentários nas suas redes. Jogadoras do mundo todo passaram a gravar depoimentos em seus canais de streaming (Youtube, Twitch, Facebook e Twitter) e o movimento ganhou mais força. Obviamente as gamers brasileiras não deixaram de participar dessa onda de denúncias de comentários machistas. A maior youtuber gamer do Brasil, Malena, veio a público, no dia 17 de setembro de 2018 e postou em seu canal, que na época tinha mais de 2 milhões de inscritos, um vídeo em que ela comenta sobre o assunto e ainda relata experiências pessoais. O vídeo teve recorde de visualizações, alcançando mais de 300 mil views, se tornando um dos vídeos mais vistos da youtuber. 

Malena aproveitou seu espaço para mostrar uma gravação de uma live, em que uma jogadora é ofendida pelo seu oponente no jogo. Tudo aconteceu porque a gamer acabou morrendo no jogo, que tem como temática uma guerra e consiste em eliminar os outros jogadores para que você e seu time sejam os único sobreviventes, e pediu para o colega de equipe reviver seu personagem, o homem percebe que está falando com uma mulher e se nega a revivê-la e ainda diz “ah não você é mulher”, “vagabunda”. Depois desses comentários o desânimo da gamer fica evidente e ela cogita fechar a live e deixar de jogar naquele momento, mas é incentivada pelos colegas a continuar em outra partida. 

Ainda no mesmo vídeo, Malena pediu para as meninas não se esconderem, para que elas não abaixem a cabeça e não fiquem quietas diante de situações como essa. A youtuber finaliza do vídeo dizendo: “Meninas, não se escondam, não se escondam nos jogos, não esconda quem você é, a gente tem que ter orgulho de quem a gente é”. 

São comentários como esse que acabam desmotivando centenas de mulheres. A estudante de estatística na UFRGS, Júlia Coutinho, contou sobre como começou a jogar e sobre suas experiências nesse mundo, e ela afirma que comentários machistas desanimam as jogadoras a continuar. “Desanima principalmente quando você tá tentando aprender a jogar. No começo, é natural que você erre, afinal você ainda tá conhecendo o jogo, muitas vezes sem a ajuda de ninguém. Muitas vezes eles nem sabem, decidem que vão te xingar no feminino porque se você tá jogando mal desse jeito, só pode ser mulher.” 

A Malena não foi a única gamer a vir a público para falar sobre esses casos, a streamer Gabriela Cattuzo, de Caxias do Sul, não só respondeu sobre os ataques machistas como foi destratada online e ainda perdeu seu maior patrocínio. O caso aconteceu em 2019, quando a influenciadora respondeu um comentário que a sexualizava. A mulher de 22 anos postou uma foto em suas redes sociais montada em um touro mecânico e um dos seus seguidores comentou “pode montar em mim à vontade”, Gabriela respondeu, claramente incomodada e irritada com o ocorrido, “Sempre vai ter um macho f*** pra falar merda e sexualizar mulher até quando a mulher tá fazendo uma piada, né? É por isso que homem é lixo”. A resposta da gamer se transformou em uma polêmica que ultrapassou a barreira de seus seguidores e chegou na grande mídia. Gabriela começou a receber uma onda gigantesca de comentários de ódio e ainda perdeu o patrocínio de uma das maiores marcas gamers do mundo, a Razer. 

Depois desse acontecimento diversas outras streamers usaram suas contas nas redes sociais para se posicionarem contra a empresa, e ainda pontuaram que até mesmo quando uma mulher se defende ela perde oportunidades na vida. 

A narradora e comentarista do jogo Dota, Maiza Louise, comentou via mensagens no twitter, que não entende o motivo de tantos ataques, e que já deixou de falar quando estava jogando para que os demais participantes não percebessem que ela é mulher. Além do aspecto do entretenimento, Maiza disse que desistiu de fazer live, consequentemente, abrindo mão do que poderia ser sua fonte de renda, por medo de comentários ofensivos. Ela ainda lamentou o fato de não encontrar espaço na indústria de campeonatos para narrar jogos que gosta. 

Gabriela Oliveira, de 22 anos, joga por diversão, mas assim como grande parte das mulheres, já pensou em desistir de jogar por conta de comentários machistas a seu respeito. “Tanto ouvi quanto li comentários machistas enquanto eu jogava, alguns até dos meus próprios amigos, coisas que me faziam questionar se eu ainda queria jogar ou continuar no cenário.” Ela assume que não deixa explícito em seu nome dentro do jogo que é mulher, e que muitas vezes usa nomes masculinos para fugir dos possíveis ataques. Sobre o atual cenário feminino nos games ela diz que: “Sim, o cenário feminino tem mudado, e com a ajuda das influencers, eu sinto que a cada dia a gente conquista um pouco mais de espaço, um exemplo disso foi a Júlia Nakamura ter feito parte de um time de lol masculino da INTZ como suporte e isso pra mim significou muito.” 

No mês de junho de 2020, três outros casos de assédio e machismo tomaram conta da internet, todos eles envolviam uma gamer sendo desrespeitada enquanto jogava com seu time, coincidentemente, os três casos aconteceram dentro do mesmo jogo, o Valorant, mais novo sucesso da desenvolvedora de jogos Riot Games. O jogo é um multiplayer de tiro que tem como base a mesma ideia de eliminar os outros jogadores e proteger seu time, acontece que dentro do jogo você pode cair em times aleatórios com pessoas que não conhece, e é nesse cenário que todas as histórias se passam. Larissa Basgal, Rayana Bainy e Yukimi foram as vítimas desses comentários desrespeitosos, mas o caso que mais repercutiu foi a da jogadora profissional Yukimi. Ela conta que estava jogando com um amigo e que os dois se juntaram com outros três jogadores homens desconhecidos para jogar em grupo. A gamer explica em uma entrevista, que ficou calada em boa parte da partida para não atrair xingamentos, mas que assim que viu que os outros jogadores não estavam levando a sério, decidiu pedir para eles jogarem direito. Foi nesse momento que um dos jogadores começou a xingar a gamer de vagabunda e mandou ela ir lavar uma louça. 

A estudante Larissa Segato de 18 anos comentou que recebeu pouco incentivo dos pais e que só começou a levar os jogos a sério com 12 anos. “Meus pais só deixaram eu jogar depois dos 12, eles diziam que era perigoso pra minha cabeça, mas eu sempre escapava pra casa de um amigo pra jogar com eles, é engraçado pensar nisso porque meu irmão ganhou o primeiro vídeo game com 8 anos.” Ela disse que ainda utiliza nomes masculinos para jogar e que chega até a colocar fotos de meninos em seus perfis de jogos online para não ser atacada. Comentando sobre a relação das pessoas quando diz que joga, ela fala que sofreu muito na escola com os comentários que relacionavam o seu sobrepeso com o fato de que ela gostava de jogar. Larissa lamenta que ainda é muito humilhada dentro dos games: “Infelizmente isso foi uma das coisas que nunca melhoraram nas interações dos jogos, já fui muito taxada de jogadora ruim por ser mulher sem nunca ter jogado com algumas pessoas, hoje em dia eu vejo muito o estereótipo do ‘joga pra chamar atenção de homem’, é ridículo.” Ela deixa claro que mulheres precisam denunciar esse tipo de comentário para incentivar outras mulheres a fazerem o mesmo. “É vital para indústria dos games esse tipo de feedback, a mudança tem que vir de alguma parte e as mulheres vão estar incentivando esse comportamento se forem coniventes, nessa era de rede social tem muita rede de apoio crescendo pra gente, não somos mais uma minoria.”

O segmento gamer feminino vem crescendo a cada dia que passa, mulheres já tem apoio de alguns times para participarem de campeonatos mundiais e alguns jogos já criaram as categorias femininas de competição. É evidente que há muita mudança a ser feita, começando pelas personagens femininas que são hipersexualizadas nos jogos. Mas é inegável que as gamers já começaram a conquistar o seu espaço dentro do universo gamer. 

A Giulia Loureiro, do Rio de Janeiro, de 18 anos, comentou que acredita na evolução dos games, ainda que demore um pouco, ela diz ter esperança de que um dia mulheres poderão jogar sem terem medo de serem humilhadas e assediadas, e que a profissão gamer comece a ser valorizada no âmbito feminino. 

Mas enquanto isso não acontece, é importante que as mulheres denunciem esses ataques aos desenvolvedores de jogos, que elas postem em suas redes e compartilhem suas experiências com outras jogadoras, para que as grandes empresas comecem a punir aqueles que praticam o linchamento virtual e o assédio. Também é importante que mulheres deem suporte para outras jogadoras, assistindo e comentando sobre campeonatos femininos, mostrando que as mulheres querem ter voz e querem fazer parte desse universo. 

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