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Uma tarefa difícil: Alfabetização na Pandemia

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Alfabetizacao capa

Por: Arthur Stoffel Görgen, Eduarda Paiva Zini e Henrique Castro Pizzatto.

A alfabetização é a base para que todo o processo de educação seja construído de maneira consistente. Por isso, adaptar-se de maneira efetiva durante o processo de isolamento mostrou-se a única alternativa possível para que as instituições de ensino continuassem com sua proposta educacional.

Em março de 2020 as escolas deixaram de lecionar presencialmente devido à pandemia de Covid-19. Com isso, surgiu a necessidade de adaptação dos coordenadores, professores, pais e alunos, já que a nova realidade exigiu que o ensino fosse a distância, complexidade amplificada pela alfabetização dos mais novos, além disso, outras dificuldades foram a desigualdade de acesso à internet no país e o pouquíssimo tempo para se reorganizar. Apesar da situação vivida quase integralmente no ano de 2020, aulas presenciais voltaram a acontecer para as turmas que estão passando pelo processo de alfabetização no início do mês de maio de 2021 no Estado do Rio Grande do Sul.

Os principais pilares da alfabetização da criança passam por coordenadores, professores e pais. Nesse sentido, esta reportagem busca compreender a influência de cada um deles no processo de alfabetização dos alunos. Seguindo essa lógica, foi possível observar e delimitar os papéis de cada um e entender um pouco melhor como a pandemia afetou a dinâmica do processo.

“Era um quarto de estudos. Adaptei algumas coisas e agora é onde preparo minhas aulas, meus vídeos, enfim é onde passo a maior parte do dia.” Assim descreveu a professora Denise Oliveira, que tirou uma foto do local que está lecionando.

Fotografia: Denise Oliveira

Reação rápida

A partir do anúncio de quarentena de catorze dias, em março de 2020, e, com isso o fechamento das escolas, o tempo para reinício do ensino foi distinto. O grande desafio era contemplar todos os alunos, inclusive os mais novos, que estavam passando pelo processo de alfabetização e que ainda não sabiam ler nem escrever. Nessa lógica, a coordenadora Keli Caroline Rodrigues, da escola privada Rainha da Paz, de Serafina Corrêa, relatou que em três dias já iniciaram com aulas remotas, mas que os pais auxiliaram bastante os mais novos. Já no ensino público, na escola pública Primavera, de Dois Irmãos, os professores levaram um pouco mais de tempo para iniciar, cerca de 14 dias, reforçando, também, a necessidade do auxílio dos pais.

As mudanças e formas de dar aulas, por vezes, são diferentes nas redes pública e privada de ensino. Nesse sentido, a coordenadora Keli Rodrigues, da rede privada, esclareceu que alunos e professores receberam uma formação para que pudessem acessar as ferramentas online, Zoom – utilizado para chamadas de vídeo – e o Google Sala de Aula – aplicativo em que os alunos podem acessar os conteúdos dos professores. Além da instrução para utilizar as plataformas, as aulas foram estruturadas com turmas menores e cada grupo trabalhou junto da professora e de uma monitora, durante o período de 1 hora aula. O objetivo da coordenadora e dos professores era de que as aulas fossem as mais dinâmicas possíveis, para prender a atenção dos alunos e obter resultados satisfatórios no ensino e aprendizagem. Sendo assim, os alunos conseguem interagir e se sentir o mais próximo possível do ambiente escolar, mesmo que a distância.

Enquanto isso, na rede pública, a professora Denise Oliveira de Moraes, do Colégio Estadual José de Alencar, em São Francisco de Paula, citou que optaram pela utilização do Google Sala de Aula e ali eram postadas as atividades para os alunos, mas como muitos não conseguiam acessar, os alunos podiam retirar o material impresso na escola. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Primavera, as professoras estão propondo as aulas enviadas por whatsapp, pelo Google Sala de Aula, atividades impressas, que a família busca na escola e entrega posteriormente e aulas por meio do Meet durante 1 hora na semana. Ambas utilizaram atividades como vídeos, livros, músicas e para dúvidas há o grupo de WhatsApp.

As dificuldades 

Por estarmos enfrentando um momento sem precedentes, os avanços que estão ocorrendo na sociedade estão, obviamente, carregados de muitas dificuldades. Afinal, antes de atingir o patamar da evolução, todo o processo de adaptação é complexo e exige muita resiliência.

A coordenadora Keli Caroline afirma que as dificuldades são várias: a insegurança e a imaturidade dos alunos em idade de alfabetização são os problemas que mais se destacam. Além disso, reitera que muitos dos estudantes são acompanhados por terceiros, que são pagos exclusivamente para realizar esse tipo de auxílio, um dos privilégios das famílias com maiores rendas.

Uma realidade um pouco diferente do que afirma Denise, professora da rede pública, relata que, muitas vezes, as dificuldades podem ter diferentes níveis, às vezes a falta de escolarização da própria família que não tem aporte para lidar com os desafios dos alunos, bem como a pouca fluência tecnológica. Além disso, as necessidades de trabalhar em tempo integral, juntamente com as instabilidades financeiras, não permitem que os responsáveis se façam presentes nos momentos importantes da alfabetização.

Segundo a professora e psicopedagoga Aline Reis, que atua em São Francisco de Paula, a criança nessa fase precisa muito do trabalho lúdico, como jogos, brincadeiras, e com a pandemia e ensino remoto ficou mais difícil, pois elas precisavam do apoio do professor de forma mais conjunta para realizar essas atividades. Segundo a psicopedagoga, esse processo de alfabetização a distância mexeu muito com a vida das crianças, pois agora os alunos têm que ver sua casa como lugar de aprender e seus pais, muitas vezes, como ensinantes. Outro aspecto importante que ela destaca é o fator emocional das crianças, que tiveram suas rotinas alteradas, não poder ir para a escola, não ver os amigos, e estar sempre em um mesmo ambiente que o restante da família, que segundo Aline, interferiu no aprendizado.

São diferentes cenários que se formam e recaem sobre os familiares, que ficam sobrecarregados e, principalmente, sobre as crianças. Essa sobrecarga foi relatada por Adriane Langer, mãe da Valentina, de 5 anos, que estuda na escola Clarice Maria Arandt, no município de Dois Irmãos. Nesse sentido, sem aulas presenciais, a mãe contou que foi um período difícil, que a filha não possuía uma rotina, passava o dia sem horários estipulados para lanchar ou brincar, mas que reservava o período da noite, após o trabalho de Adriane, para realizar as tarefas da escola, prática que sobrecarregou a mãe. A filha está 

passando pelo processo de alfabetização e coube à mãe a auxiliar nas atividades, especialmente as de leitura e escrita. 

Como ter certeza do aprendizado 

Certeza é uma palavra muito difícil de ser utilizada neste contexto completamente novo, o processo de alfabetização à distância é uma realidade completamente estranha a todos os que fazem parte do círculo educacional. É preciso ter em mente que cada aluno tem o seu próprio processo, ancorado nas suas dificuldades ou aptidões. “Ler e escrever é um processo que acontece ao longo do desenvolvimento cognitivo e linguístico das crianças, nem todas aprendem ao mesmo tempo.” afirma Denise.

O processo tem alguns pontos que diferem nas redes pública e privada de ensino, mas, na sua essência, têm o mesmo objetivo. A coordenadora Keli Caroline, que trabalha em uma escola privada, destaca como os responsáveis fazem uma devolutiva aos professores, que analisam as dificuldades de cada estudante e completam o processo com um momento a sós, em que ocorre uma troca somente entre professor e aluno.

Na esfera pública, o processo é semelhante, porém, um pouco menos exclusivo. As atividades são igualmente analisadas a partir da devolutiva dos responsáveis, possibilitando aos professores entenderem melhor como os alunos estão aprendendo.

Assim percebemos que, quando se trata de ensino remoto, não existe uma receita completa de como lidar com tudo, mas a presença de uma base sólida vinda dos responsáveis parece fazer toda a diferença.

O retorno e a incerteza

Segundo a professora Denise, as aulas presenciais no colégio em que trabalha voltaram dia 03 de maio, sendo que na primeira semana, no total de 23 alunos, apenas um compareceu. De acordo com seu relato, os professores se deslocam ao colégio para atender os alunos que comparecem, mas seguem auxiliando os estudantes que estão no ensino remoto, por meio de um planejamento adequado para a plataforma, e com envios de atividades para serem realizadas em casa, como foi ao longo de todo o período de quarentena. 

Na rede privada, com a possibilidade de retorno concedida pelo poder público no final de abril, a coordenadora Keli Caroline já conseguiu ter um panorama amplo o suficiente para entender como o processo está se dando com os alunos e afirma: “Aqueles alunos que tinham acompanhamento em casa, com a família, mesmo não tendo educação infantil no presencial, vieram mais preparados. Já aqueles que os pais não tinham tempo ou não conseguiam fazer com que os alunos fizessem as atividades, apresentam bastante dificuldades”.

As deficiências, contudo, não são regra: “Em um número de vinte e quatro alunos nós percebemos dificuldades de motricidade fina e reconhecimento de letras, número e concentração em seis”. Já os outros alunos, mesmo após todo o período da quarentena, apresentam resultados positivos, afirma Keli: “Os outros já estão lendo bem. Mesmo sendo tão recente esse retorno presencial, eles já estão juntando letras e lendo as palavrinhas. Então, assim, dá pra perceber bem claro quanto a questão de acompanhamento em casa”.

A coordenadora também afirmou que aqueles alunos que apresentaram uma maior dificuldade já estão sendo encaminhados para aulas de reforço, a fim de que consigam acompanhar o resto da turma e não sofram tanto com as lacunas deixadas pelo ensino remoto. 

Já para a mãe Adriane, com a possibilidade de retornar para aulas presenciais, optou por levar a filha para escola, o que facilitou sua rotina, além de, na visão dela, melhorar o ensino da menina que agora possui uma rotina, mais atividades e maior apoio das professoras, o que, para a mãe, é essencial na alfabetização. “O retorno foi muito bom, a Valentina gostou, possui horários mais regrados, aprende mais e para mim também melhorou muito, já que não preciso auxiliar tanto nas atividades, já que ela está na escola. ”