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2020-2 Blog de Papel

Do esquecimento a dependência – O mal que afeta milhões

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Por Sofia Chiaradia

Começa com episódios simples, como esquecer onde colocou as chaves, não
lembrar de um jantar marcado ou do que comeu no almoço. Desenvolve-se até
o esquecimento de pessoas amadas, de lugares conhecidos, de si mesmo.
Progride até a falta da autonomia, até o leito, até o fim. Não é uma situação
incomum, na verdade, acontece com cerca de 35,6 milhões de pessoas ao redor
do mundo e é conhecida como Mal de Alzheimer.

Observar alguém próximo passar por dificuldades não é fácil. Mas, se
compreendermos melhor a doença, lidar com a longa jornada imposta por ela
pode se tornar uma tarefa menos árdua. Por que, afinal, o que é a doença de
Alzheimer?

Milhares de pesquisas são feitas anualmente pelo mundo no intuito de
desenvolver novas técnicas e medicamentos que auxiliem os pacientes
diagnosticados com a doença. Recentemente, a Universidade de Lund, na
Suécia, divulgou uma pesquisa que trouxe esperança a muitos ao sugerir um
exame de sangue que consegue diagnosticar o Alzheimer com anos de
antecedência. Porém, pesquisas como essa ainda estão em fase de
experimentação. Atualmente, nada substitui o exame clínico utilizado para o
diagnóstico e por isso é importante conhecer a doença e os seus sintomas.

Marcelo Frigeri, médico neurologista e neurocirurgião, presidente da Unimed
Nordeste RS e instrutor do serviço de residência em neurocirurgia do hospital
Pompéia em Caxias do Sul, explica que a doença de Alzheimer é um transtorno
neurodegenerativo progressivo que se manifesta pela deterioração cognitiva e,
principalmente na fase inicial, por perda da memória recente, comprometimento
progressivo das atividades da vida diária e também alguns sintomas neuropsiquiátricos, como distúrbios de conduta e comportamento. De modo detalhado, Frigeri esclarece que, para o surgimento da doença, o que ocorre é um depósito de proteína beta amiloide dentro dos neurônios, formando o que se chama de placas senis. Essa proteína cerebral de certa forma intoxica as células e leva à perda progressiva de neurônios em certas regiões do cérebro, começando pelo hipocampo, que controla a memória, e progredindo para o córtex cerebral, comprometendo progressivamente funções do cérebro.

Frigeri ressalta que a doença Alzheimer tem esse nome devido ao psiquiatra e
neuropatologista Alois Alzheimer, nascido na Alemanha em 1864. Em 1901,
enquanto trabalhava em um asilo em Frankfurt, o médico observou uma paciente
de 51 anos chamada Auguste Deter. Ela apresentava sintomas de
comportamento, incluindo perda de memória de curto prazo. Quando Deter
faleceu, em 1906, Alois junto a outros dois médicos italianos, avaliou o cérebro
da paciente e identificou as placas amiloides, ou seja, as placas senis que hoje
são a marca da doença conhecida como mal de Alzheimer. Devido a esse
acontecimento, a doença foi reconhecida e recebeu o nome do médico que a
estudou.

A médica geriatra Júlia Biegelmeyer acrescenta que o Alzheimer é uma doença
lenta, de progressão insidiosa, que se desenvolve ao longo do tempo,
incialmente acometendo a memória. No começo, o indivíduo não vai lembrar de
fatos recentes, esquecendo compromissos marcados e o que ingeriu em
determinadas refeições. Conforme a doença evolui, outros domínios cognitivos
são alterados.

Reprodução: Lohany Sorgen

Biegelmeyer explica que pode ocorrer alteração da linguagem do paciente, como
dificuldade para nomear objetos e pessoas. Também é possível que o indivíduo
apresente sinais de desorientação, ficando perdido ao andar na rua e
esquecendo o caminho de volta para casa. Além disso, surgem dificuldades em
realizar tarefas do dia a dia as quais o paciente era acostumado, por exemplo,
dirigir, cozinhar e ir às compras. A doença vai progredindo e, cada vez mais, o
paciente depende da ajuda de alguém.

Conforme a doença se desenvolve, o paciente pode chegar a ter dificuldade para
realizar atividades básicas, como tomar banho, vestir-se e fazer higiene intima.
Ademais, o indivíduo pode sofrer de alterações de humor, podendo adquirir
sintomas depressivos, de ansiedade, agressividade e apatia. A geriatra ressalta
que um fato importante sobre a doença é o de que, o paciente, na maioria dos
casos, não percebe o próprio déficit. Quem nota os primeiros sintomas são,
geralmente, os familiares, que estranham quando o paciente começa a
necessitar de auxílio em atividades.

O neurologista Cristiano Aguzzoli, do serviço de neurologia cognitiva do Hospital
São Lucas da PUCRS, esclarece que, para entender melhor a doença, é
necessário entender a diferença entre demência e demência na doença de
Alzheimer. O médico explica que as pessoas tendem a confundir as situações.
Demência não é uma doença, é considerada uma síndrome, ou seja, um
conjunto de sinais e sintomas que podem ser percebidos e ter diversas
etiologias. Para exemplificar, Aguzzoli comparou a demência a uma tosse. Um
paciente com tosse pode ter esse sintoma devido a uma pneumonia, ao
coronavírus, a uma sinusite ou a diversas outras causas. A demência é um caso
parecido, é uma síndrome que pode ter mais de um fator como origem. Devido
ao fato de que cerca de 70% de todos os casos de demência tem como causa o
Alzheimer, as pessoas tendem a pensar que a doença e a síndrome são a
mesma coisa.

Aguzzoli define demência como a perda da autonomia, ou seja, é considerado
que o paciente tem a síndrome quando ele perde a funcionalidade, não consegue
mais se organizar sozinho e precisa do auxílio de outros. Um indivíduo pode ter
demência sem que a causa seja o Alzheimer, e também pode ter o Alzheimer e
ter a demência como um sintoma. Aguzzoli explica que a doença evolui desde
uma fase assintomática, em que o paciente não apresenta sintomas, mas já tem
a doença, passa para uma fase de comprometimento cognitivo leve, em que
pode ter algumas alterações amnésticas e de funções executivas como a
linguagem, mas ainda consegue manter a autonomia, até alcançar o estágio de
demência.

Frigeri relata que o tratamento do Alzheimer é, em geral, medicamentoso, e deve
ser prescrito por profissionais neurologistas ou geriatras. Porém, apesar de
existir uma medicação, Aguzzoli ressalta que a doença não tem cura. Ainda não foi desenvolvido nenhum medicamento que modifica o curso natural da doença,
o tratamento disponível atualmente não para a progressão, somente atrasa o
curso natural dela. Biegelmeyer acrescenta que, apesar de os benefícios serem modestos e temporários, os medicamentos utilizados no tratamento também podem melhorar os sintomas comportamentais vinculados ao humor, o que pode facilitar a vida do paciente.

Por que a doença se desenvolve
Aguzzoli expõe que existem vários fatores de risco que podem levar à doença
de Alzheimer, sendo a idade e a predisposição genética os que mais influenciam
na progressão da doença. Outros fatores importantes são os conhecidos como
modificáveis, aqueles que o indivíduo pode alterar durante a vida. Por exemplo,
Aguzzoli aponta que um terço dos casos de Alzheimer são devido a fatores
cardiovasculares, ou seja, pressão alta, diabete, obesidade, tabagismo e
etilismo. Essas causas são variáveis, juntamente ao fator baixa escolaridade, e
todas contribuem para o surgimento da doença. Aguzzoli explica que é difícil
comparar casos da doença, pois os fatores de risco afetam muito o modo como
a progressão acontece.

Genética e Alzheimer
Aguzzoli menciona a preocupação que os indivíduos com familiares com
Alzheimer têm de apresentar a doença futuramente devido aos fatores genéticos
e ao fato de nenhum medicamento conseguir preveni-la. Os fatores de risco
genéticos envolvem cerca de 5% de todos os casos de doença de Alzheimer,
porcentagem que não é tão significativa se comparada ao total de casos. Apesar
de a genética isoladamente ser decisiva para o desenvolvimento da doença, os
fatores modificáveis acabam por ser muito importantes também, e os indivíduos
com predisposição genética necessitam ser cautelosos com o controle dos
fatores de risco modificáveis. Ele explica que existem atitudes que podem ser
tomadas para prevenir a doença, como ter uma boa estimulação intelectual
durante a vida, por exemplo. Além disso, é muito importante controlar os fatores
cardiovasculares, como a pressão arterial, a diabete, e a obesidade. Isso pode
ser feito por meio da adoção de hábitos saudáveis, como uma alimentação
saudável, evitando frituras em excesso, e com uma rotina que inclui exercícios
físicos regulares. Evitar o tabagismo também é essencial para diminuir o risco
da doença.

Infográfico sobre Alzheimer – Reprodução: Alzheimer360

Além disso, o controle dos fatores mencionados é importante para a prevenção
de outras doenças, como as cardiovasculares, incluindo infarto e AVC. Aguzzoli
explica que um paciente que apresenta ambas as doenças, Alzheimer e AVC,
tem o que se chama de demência mista. O médico acrescenta que é muito
comum pacientes estarem nessa situação, em que sofreram um AVC e ficaram
com perdas cognitivas e essas sequelas acabaram se tornando um fator de risco
que contribuiu para o surgimento do Alzheimer.

Frigeri ressalta a importância do diagnóstico precoce da doença de Alzheimer.
Apesar de não ter cura, o paciente pode fazer uma mudança de hábitos para
tentar aliviar a progressão da doença. Atitudes como ter uma vida social ativa,
estudar, ler, praticar atividades físicas, ter uma alimentação saudável, e não
fumar ou ingerir bebidas alcoólicas em excesso são as principais recomendações dos médicos para evitar o Alzheimer. Criar hábitos como treinar jogos inteligentes e praticar atividades em grupo na comunidade são pequenos passos que já influenciam na saúde das pessoas. Biegelmeyer acrescenta que buscar novos aprendizados, como o estudo de idiomas e música, são comportamentos que auxiliam a formar o que a medicina nominou de “reserva cognitiva”, elemento que é essencial para diminuir os riscos do Alzheimer.

Pesquisas, o que se sabe até agora
Recentemente, a Universidade de Lund, na Suécia, divulgou uma pesquisa que
projeta detectar o Alzheimer até 20 anos antes da manifestação da doença,
ainda na fase assintomática, a partir de um exame de sangue. Julia esclarece
que, apesar de essa e muitas outras pesquisas relacionadas serem muito
promissoras, todas elas ainda estão em fase totalmente experimental. São
estudos pequenos feitos com uma quantidade restrita de pacientes e que ainda
não estão aprovados para a prática clínica em hospitais. A técnica estudada pela
pesquisa ainda está focada em laboratórios e não tem nenhuma previsão de ser
aprovada e disponibilizada para a população. A geriatra também explicou que o
teste para o diagnóstico de Alzheimer nos dias de hoje é feito de forma clínica,
por meio da observação dos sintomas, de testes cognitivos e exames de
imagem, não mediante exames bioquímicos como os da pesquisa.

Frigeri acrescenta que o diagnóstico clínico para a doença é feito por meio de
exames das funções mentais e de um questionário de 30 questões que é
aplicado aos pacientes por neurologistas ou geriatras. Além disso, é possível
avaliar o cérebro do paciente por meio de ressonância magnética, onde pode
aparecer, principalmente em pacientes com Alzheimer precoce, atrofia cerebral.
Frigeri também mencionou que o Alzheimer precoce, aquele que gera sintomas
antes dos 65 anos de idade, costuma ser uma patologia mais grave do que nos
casos em pacientes com mais idade.

Aguzzoli, ao ser indagado sobre a pesquisa feita pela Universidade de Lund,
além de mencionar os benefícios da mesma, também apresentou uma questão
como contraponto. “Sabe-se que existem algumas doenças na neurologia ou até
na oncologia que não tem um tratamento específico. O paciente vai querer saber
se vai ter a doença quando tem 40 anos e ficar se preocupando com aquilo pelos
próximos 20 anos? Mesmo se é uma doença que não tem nada que possa ser
feito?”. Esse pensamento gera debates filosóficos e éticos, pois a única atitude
que pacientes diagnosticados com Alzheimer podem tomar é o controle dos
fatores de risco para tentar aliviar os sintomas da doença. Então é uma questão
pessoal do indivíduo querer ou não saber sobre a doença com tanta
antecedência.

Porém, Aguzzoli também acrescentou informações sobre as descobertas atuais
envolvendo a doença de Alzheimer, mencionou que muitos pesquisadores estão
estudando os benefícios dos anticorpos monoclonais, proteínas que, ligadas a
antígenos, auxiliam o sistema imunológico. O que cientistas buscam é a
possibilidade de esses anticorpos monoclonais diminuírem a deposição de
placas beta amiloides no cérebro. De acordo com Aguzzoli “Esse tipo de
medicação é promissor, e eventualmente no futuro pode funcionar. Provavelmente isso vai acabar se tornando uma realidade.” Para Aguzzoli, esses medicamentos futuramente podem ser a razão da importância de um diagnóstico precoce pois podem vir a significar uma mudança do curso da doença.

O neurologista Frigeri trouxe uma informação que reflete a realidade da doença.
Ele declarou, “Eu costumo dizer que, junto com o tratamento do paciente com
Alzheimer, vem a questão do tratamento da família. Muitas vezes, o paciente
está fora das suas capacidades mentais, e a família acaba sofrendo mais do que
o paciente.” De acordo com ele, por vezes fica difícil para a família manejar o
paciente, isso gera a necessidade da busca pela ajuda de profissionais de saúde.
Ele acrescenta que pessoas com a doença acabam precisando de uma atenção
multidisciplinar, incluindo fisioterapeutas, fonoaudiólogos e, principalmente em
estágios mais avançados, cuidados de enfermagem.

A doença de Alzheimer é de lenta progressão e não tem cura, afetando de modo
grave a vida dos diagnosticados e de seus familiares. A doença é um mal que
afeta milhares de pessoas ao redor do mundo, e esse número só tende a crescer.
Infelizmente, ainda não se pode fazer muito pelos pacientes diagnosticados ou
por aqueles que apresentam risco. Sabe-se que hábitos saudáveis são
essenciais para prevenir a progressão da doença, e a comunidade cientifica está
empenhada em desenvolver medicamentos que possam parar a evolução dela.
Atualmente, o que é possível para pacientes em estado inicial e familiares é se
informar para lidar com a doença da melhor forma possível. Além disso,
indivíduos com predisposição genética podem ser cautelosos e controlar os
fatores de risco com antecedência.

O Alzheimer deixa ensinamentos. A doença faz perceber que o que está ao
nosso alcance hoje é aproveitar cada momento enquanto ainda podemos
lembrar e ser lembrados.

Sofia Chiaradia