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Teatro e Pandemia: os bastidores da luta da classe artística longe dos palcos

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Por: Aleksia Dias, Luana Goppinger e Rafaela Capitão.

As práticas teatrais, no final de fevereiro de 2020, foram as primeiras a serem paralisadas. Na época, alguns dias após ser confirmado o segundo caso de coronavírus no Brasil, o Ministério da Saúde regulamentou critérios de distanciamento social e quarentena. Logo após, registrou-se crescimento exponencial do número de vítimas da Covid-19, e a arte, nesse contexto, cujo grande desafio foi a migração para o digital, teve que contar com seu fiel e mais antigo alicerce: sua capacidade de reinventar-se, que pode até ser descrita como intrínseca ao ofício teatral.

A história nos mostra que não é de hoje que o teatro resiste. Desde Aristóteles se debate as relações entre o teatro e a política, devido a ataques por parte das classes dominantes, por exemplo. Augusto Boal, que foi uma das maiores figuras do teatro brasileiro, além de diretor e dramaturgo, já argumentava que o teatro seria político em si, sendo que não passa de um pleonasmo a expressão “teatro político”. 

Embora as reflexões nesse sentido sejam tão antigas quanto o próprio ofício, a atualidade, marcada pela proliferação de um vírus letal, está repleta de reconstruções do teatro. Os atores, atrizes e profissionais, nesse contexto, são os protagonistas da sustentação da arte e os mais afetados pelas dificuldades e negligências do cenário pandêmico. Dada a realidade de isolamento social, questiona-se, entre os artistas, se é possível realizar teatro digital, de forma que as peças sejam gravadas e transmitidas, ou que sejam encenadas ao vivo através de chamadas virtuais em aplicativos como o Zoom ou Google Meet. Como driblar a impossibilidade da aproximação, sendo que, de acordo Jerzy Grotowski; importante personalidade do teatro experimental no século XX, “a essência do teatro é um encontro”?

A resposta para tal pergunta não é objetiva. “Arte é arte. Não se pode tentar defini-la”, é o que afirma a atriz gaúcha Andressa Matos, quando questionada sobre a possível perda do caráter teatral de um espetáculo que se faz on-line. Andressa, de 21 anos, que morava em Porto Alegre quando começou a pandemia, teve que voltar para Capão da Canoa (RS), sua cidade natal. Ela conta que a companhia de teatro da qual fazia parte, localizada na capital, ficou parada no ano de 2020.

Mesmo com a maré de incertezas, a classe artística encontrou alguns espaços de produção. É o exemplo da iniciativa Palco Virtual, que se iniciou em junho de 2020, idealizada pelo Itaú Cultural. O projeto apresenta uma agenda de espetáculos divulgada no site da instituição e as peças ocorrem pelo Zoom; já os ingressos podem ser adquiridos pela plataforma Sympla. A Casa de Teatro de Porto Alegre também lançou diversas peças teatrais em seu canal do YouTube

Um dos principais eventos de teatro da capital gaúcha também migrou para o ambiente digital em 2021. O Porto Verão Alegre é um festival que tem como objetivo “movimentar a cultura local e ocupar os teatros da cidade, em uma época do ano pouco movimentada [o verão].” Neste ano, as ruas estão vazias, mas não por conta do veraneio. O isolamento social impede aglomerações e a formação presencial de plateias que possam desfrutar de grandes espetáculos. No entanto, para manter o teatro porto-alegrense mais vivo do que nunca, a 22ª edição do festival será 100% online e, curiosamente, no inverno. A equipe do Porto Verão Alegre resolveu encarar o desafio de outros milhares de artistas do Brasil – e do mundo – inteiro: reinventar o poder que a presença tem no teatro e o vínculo entre o público e o palco durante as apresentações. A edição Porto Verão Alegre 2021 já começou e ocorrerá até o dia 22 de junho.

Fotografia: Porto Verão Alegre | Espetáculo: Guri de Uruguaiana e Banda

Diante das inovações, a pergunta que percorre entre os elencos de teatro é a mesma: afinal, espetáculo online é teatro, cinema ou não é nenhum dos dois? É possível manter o encanto dos espetáculos nas plataformas digitais?

A atriz e professora de teatro Suzete Castro Martinez afirma: “São duas coisas diferentes. No processo sempre haverá prazer. Pensar para o palco ou para o vídeo é sempre uma coisa nova e empolgante. Por outro lado, nós [do teatro] vivemos do calor do público. Quem transita pelo cinema e pelo teatro compreende que uma linguagem não tem nada a ver com a outra. Esse formato híbrido que a gente está descobrindo não é teatro, pois o teatro exige um público, mas também não é cinema. No entanto, não deixa de ser arte.”

Suzi, como é conhecida entre seus alunos e colegas de profissão, também precisou se reinventar para enfrentar os impactos econômicos gerados pela pandemia de Covid-19. A atriz carrega uma inspiradora trajetória profissional. Participou de inúmeros projetos voltados às artes cênicas, campanhas publicitárias, cursos de teatro e peças teatrais. Nestes meses de isolamento social, manteve seu sustento através de suas economias. Suzi conta que só surgiu uma movimentação no setor teatral no segundo semestre do ano passado, após os artistas compreenderem que algo precisaria ser feito, pois a pandemia não acabaria tão cedo. Desta forma, os projetos de espetáculos, apresentações e cursos de teatro remotos foram iniciados.

O auxílio emergencial concedido aos profissionais do setor cultural através da Lei Aldir Blanc (Nº 14.017) foi pago apenas em junho de 2020, três meses depois de ser identificado o primeiro caso do novo coronavírus no país. No entanto, junto aos editais de concursos lançados pelas prefeituras, o recurso auxiliou os trabalhadores que estavam carentes de renda para manterem seus lares e famílias. Entre os milhares de artistas do setor teatral, a atriz Eduarda Bento foi uma das beneficiadas. Eduarda, artista e estudante de Licenciatura em Teatro na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), sofreu com os impactos do isolamento social decorrente da pandemia. Em um piscar de olhos, sua agenda de espetáculos e suas aulas foram interrompidas, sem data prévia de retorno. Sem os editais e as parcelas do auxílio, a atriz revela que não teria conseguido manter o seu sustento. 

Em contrapartida, inúmeros artistas e profissionais dos bastidores recorreram a empregos em outras áreas para conseguirem sobreviver. Este foi o caso da atriz Andressa Matos, que com a paralisação de trabalhos e espetáculos, chegou a trabalhar fora do seu ramo, em uma farmácia, para manter sua renda. 

Andressa e Eduarda, como jovens atrizes, carregam o mesmo amor pela arte. Ambas, emocionadas, deixaram o mesmo recado ao público: “Quando tudo acabar, vá ao teatro! Valorize o teatro!”.

A cultura e o teatro são muito mais do que simples entretenimento: eles servem como um instrumento de resistência e uma válvula de escape para enfrentarmos os pesares que a pandemia gerou. Para continuarmos rindo, chorando e nos emocionando com os espetáculos e produções culturais, precisamos valorizar o que mantém a cultura viva: as pessoas que dedicam suas vidas a ela.