Na esquina da Rua Riachuelo com a General Câmara está situado um prédio com imensurável valor histórico e cultural para Porto Alegre: a Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul. Iniciada em 1912, a obra só foi totalmente concluída em 1922 e inaugurada em 7 de setembro do mesmo ano, data escolhida em razão do Centenário da Independência do Brasil. Com um acervo atual de 250 mil livros, o espaço é considerado um importante ponto de encontro e acesso à informação de forma gratuita, fazendo parte da memória afetiva de muitos moradores e visitantes da cidade, inclusive de Morgana Marcon, Diretora da Biblioteca do Estado.
Um convite transformado em missão
A bibliotecária Morgana Marcon, natural de Porto Alegre, assumiu a Direção da Biblioteca Pública e a Coordenação do Sistema de Bibliotecas do Estado no ano de 2003. Ela conta que o convite foi feito pelo Secretário de Cultura da época, após ela ter trabalhado por anos em uma biblioteca de bairro, e ganhado reconhecimento por realizar projetos com a intenção de atrair o público para o local. Desde então, os governos mudaram, mas o convite permaneceu, assim como o entusiasmo de Morgana na missão de manter a biblioteca uma presença marcante na cidade e na vida das pessoas.
“É um prédio que também faz parte da minha história”, afirma a bibliotecária. Relata que, na sua adolescência e durante a faculdade, frequentava a biblioteca para estudar. Quando se tornou Presidente do Conselho de Biblioteconomia, costumava se fazer presente nos eventos também. De maneira sensível e afetuosa, procura palavras para descrever como a Biblioteca é o lugar que oportuniza tantas trocas, faz parte da memória coletiva e é vista com carinho pela população: “Pra mim, trabalhar em um local como esse, com essa beleza e com esse público, é revigorante; é o que eu gosto, a gente gosta muito de trabalhar aqui”.
Histórias que vão além do papel
Vinculada à Secretaria de Cultura do RS, a Biblioteca Pública é um ambiente que disponibiliza acesso ao livro e à informação gratuita para a população. Sua grande relevância histórica e social não passa despercebida, sendo o primeiro lugar público da cidade a disponibilizar internet gratuita, além de conter um setor de braile. Sua importância também se reflete nas personalidades que passaram pelo local, como os renomados escritores Mario Quintana, Moacyr Scliar e também a figura histórica gaúcha, Borges de Medeiros.
Morgana reforça que a Biblioteca é muito importante porque “as pessoas necessitam dessa ligação com a cultura no seu dia a dia”. Ela cita, inclusive, que há pouco tempo recebeu um casal que utilizava o prédio, quando adolescente, para fazer pesquisas – “Muita gente tem esse carinho, essas lembranças, essa memória afetiva com o prédio”.
Além das lembranças carinhosas que as pessoas compartilham com o local, é um espaço que também reserva muitos mistérios e despertam a curiosidade do público. É partindo disso que Morgana compartilha diversas histórias peculiares, como a vez em que viu uma “fantasminha”. Ela explica que em um dia normal de trabalho, ao ir desligar as luzes do local para encerrar seu expediente, ela enxergou a sombra de uma mulher. De acordo com a sua narração, a mulher usava um vestido e caminhava com um livro na mão, lendo e de costas para ela. Sem pensar duas vezes, diz que o susto e o sentimento de medo a fizeram desligar as luzes e sair correndo para seu carro, mas que, após se acalmar, passou a achar um momento significativo “Eu comecei a me lembrar da imagem e achei lindo: ela estava lendo!”, ela declara. Diz ainda que voltou em outros dias no mesmo horário, porém nunca mais conseguiu ver a mulher.
Há ainda o relato de um dos guardas do local que, no meio da noite, ouviu gritos vindos de uma cabeça de ferro oca, o que o deixou assustado e surpreso, ao se deparar com a cena. Após “tomar” coragem e colocar sua mão dentro da cabeça, descobriu então que, na verdade, os gritos eram de um morcego que estava dentro do objeto.
Arte em cada detalhe
O prédio, tombado como patrimônio artístico, tem o movimento positivista como influência na sua arquitetura. Para Morgana, o local é um “importante espaço arquitetônico, um prédio histórico belíssimo, que faz parte da história do nosso Estado, e principalmente da nossa cidade”. Orgulhosamente, salienta a beleza que o prédio traz consigo, o comparando com a arquitetura da Europa e frisando a importância de valorizarmos a arte brasileira “Às vezes, a gente vai viajar para ver prédios lindos, e não sabe que aqui tem um prédio maravilhoso e com uma história fantástica”.
Para o manter como um dos prédios mais bonitos da capital, sua fachada está passando por reformas com previsão para serem finalizadas no mês de abril; ao mesmo tempo em que as pinturas do Hall de Entrada estão sendo recuperadas com auxílio do Estado e da Associação de Amigos da Biblioteca. A previsão é que sejam restauradas também as pinturas do Salão Egípcio, que foram deterioradas com o tempo.
Sobre as reformas, a bibliotecária ressalta que na década de 50, grande parte das pinturas foi coberta com uma tinta cinza, porque se acreditava que tiravam atenção dos leitores, estudantes e pesquisadores, ademais se alegava que não continham grande valor histórico. Escaparam somente alguns espaços da biblioteca como o Salão Egípcio e Mourisco do setor administrativo, duas salas no subsolo, as quais o público não tinha acesso e uma sala no térreo, onde Borges de Medeiros despachou durante a reforma do Palácio Piratini.
Morgana destaca que até mesmo os turistas se encantam com o local e imaginam como deve ser lindo trabalhar na Biblioteca. Ela concorda, reafirmando mais uma vez que “sim, realmente é um lugar lindo para se trabalhar”.
Ao escolher uma palavra para definir seu sentimento em relação à cidade de Porto Alegre, Morgana respondeu “Acolhedora”, e complementou: “Ela [a cidade] nos acolhe, não só em relação às pessoas, mas também aos lugares: ela é convidativa. Cada espaço, cada paisagem, com pontos turísticos, e até o próprio porto–alegrense é um povo acolhedor”.
Em comemoração aos 250 anos da cidade de Porto Alegre, a Biblioteca Pública do Estado irá promover, no mês de julho, uma exposição com obras do escultor Antônio Caringi – conhecido pela sua obra “O Laçador”, tombada como patrimônio histórico de Porto Alegre.
Redação: Júlia Schneider
Edição de texto: Júlia Schneider, Mariana Haubert, Cláudia Vilemar
Edição de Imagem: Estephani Azevedo